sábado, 24 de outubro de 2020

‘Descarimbar’ recursos de fundos é paliativo e não resolve o fiscal, dizem analistas

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Governo quer direcionar R$ 177 bilhões para financiar ações de combate à pandemia A intenção do governo de usar recursos que estão parados em fundos federais para financiar ações de combate à pandemia é classificada por analistas como uma medida positiva no curto prazo, mas insuficiente para resolver o impasse fiscal. Economistas avaliam que a ação é paliativa e servirá apenas para apagar incêndios. A aprovação da proposta é vista pelo governo como uma “alternativa importante” para reforçar o colchão de liquidez da União e ajudar o Tesouro a lidar com montante elevado de vencimentos da dívida pública em 2021. A ideia é acessar quase R$ 180 bilhões em recursos depositados em 29 fundos federais. Ana Carla Abrão, sócia da Oliver Wyman, defende que o governo federal deveria em paralelo encaminhar agenda estrutural para reequilíbrio fiscal, algo que, diz, está sendo evitado. “Do ponto de vista conceitual, é uma ação positiva, já que são recursos que estão represados e carimbados para ações que não necessariamente são prioritárias neste momento”, diz ela. É uma medida que de forma pontual pode minimizar a explosão do endividamento e ter efeitos na capacidade de rolagem do Tesouro Nacional em relação aos grandes vencimentos no primeiro trimestre de 2021, avalia. “A crítica é que mais uma vez o governo está focado em ações de curto prazo e ações paliativas e está evitando uma agenda estrutural de reequilíbrio fiscal.” A busca pelos recursos dos fundos, diz ela, é algo positivo e que se justifica no momento excepcional de hoje, mas se em paralelo não for colocada uma agenda de reforma estrutural, se estanca momentaneamente o problema sem encaminhar medidas que de fato vão controlar o gasto público. Cria-se, com medidas como a do uso de superávits de fundos, percepção de alívio momentâneo, que resolve o problema que bate à porta no início de 2021. “Mesmo se não repetirmos no próximo ano os gastos excepcionais deste ano, a trajetória crescente de gastos, com o teto constantemente ameaçado, está dada”, diz. Para mudar o curso, é preciso que seja formulada uma agenda de longo prazo, com reformas, redução de gastos com a máquina pública e melhor alocação de recursos. Felipe Salto, diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI), diz que a desvinculação de parte de superávits financeiros carimbados de fundos pode ajudar na gestão da dívida, mas ela é paliativa, somente apaga o incêndio ao ajudar o Tesouro Nacional a substituir um pedaço da necessidade de financiamento que teria que ser coberta com a emissão de títulos novos. “É uma medida que pode ser importante porque há pressão nos títulos curtos, inclusive LFTs [Letras Financeiras do Tesouro] e ajudaria o Tesouro a passar pela tempestade, mas não resolve o problema fiscal. É preciso dissipar essa nuvem que está turvando o cenário de todos. Ninguém sabe o que vai acontecer no ano que vem, menos ainda no médio prazo”, diz ele. “Falta ainda um orçamento para o ano que vem, temos o pré-anúncio de um programa social, que parece que vai custar caro, mas do qual não se sabe o público alvo ou as condições de elegibilidade e para o qual também não há fonte de financiamento”, enumera o economista. Além de tudo isso, diz, há a indefinição em relação ao teto de gastos, que atua como âncora fiscal. “Se outra solução temporária será adotada para contornar o teto ou se haverá acionamento dos gatilhos, isso precisa ser esclarecido. Estamos a dois meses de terminar o ano e esse nó precisa ser desatado.” Salto lembra que de acordo com a tabela de disponibilidade de caixa do relatório resumido de execuções orçamentárias, há R$ 767 bilhões em recursos da dívida, o que inclui o colchão de liquidez e os lucros do Banco Central. “Parece bastante, mas até abril do ano que vem há mais de R$ 640 bilhões em vencimentos de títulos, fora o déficit nominal.” Até agosto, diz esse rombo foi de cerca de R$ 780 bilhões e até o fim do ano haverá outros R$ 410 bilhões em déficit nominal adicionais. “Os recursos livres, que estavam em R$ 128 bilhões no início do ano estão agora em R$ 6 bilhões. O Tesouro parece ter usado tudo o que tinha em recursos livres e agora está em busca de alternativas, dado que o prêmio exigido nas LFTs continua alto. Dívida curta Para Fabio Klein, economista da Tendências, a discussão que chegou tarde, já que o encurtamento da dívida é algo apontado desde junho. Agora, avalia, a discussão ganhou mais força com a preocupação em relação ao risco de liquidez. A medida de desvincular fundos está dentro desse contexto, de encontrar recursos para evitar isso, e converge com medidas anteriores como a devolução de valores do BNDES ao Tesouro e os repasses do Banco Central, diz. Ultrapassado o ponto mais agudo da pandemia, há um custo fiscal e financeiro resultante da crise sanitária que gera déficit e emissão de novas dívidas. “O Brasil, entre os emergentes, foi um dos que mais gastou com a covid-19 e partiu com uma dívida muito maior do pré-pandemia. A consequência vem de forma clara e a ideia das medidas é evitar um mal maior ou ter que pagar um prêmio muito elevado depois”, explica. Dentro desse quadro de urgência, tentar tirar o carimbo dos superávits de fundos faz sentido. Isso financiaria as despesas da pandemia em 2020 e reduziria a necessidade de rolagem de dívida. De acordo com dados do Tesouro, diz ele, foram executados R$ 587,5 bilhões em meio à calamidade e pagos R$ 457 bilhões. Outros empenhos, porém, ainda podem entrar este ano e ainda é preciso definir os gastos para 2021. Para Klein, há ainda a preocupação de como o PLP 137/2020, que propõe a desvinculação dos fundos, irá tramitar no Congresso e se não haverá discussão sobre os fundos que terão os recursos utilizados. De forma mais ampla, a ideia de tirar o carimbo de superávits de fundos, lembra ele, não é nova, já que constava da PEC dos Fundos proposta no ano passado pelo governo federal. O deputado Mauro Benevides (PDT-CE), autor do projeto, diz que a proposta já tem apoio das lideranças e sua expectativa é de que seja colocada em votação na próxima quarta ou na semana seguinte. Ou seja, antes do recesso para as eleições municipais. Ele diz que o projeto só contempla fundos regulados por lei infraconstitucional e se restringiu àqueles que não executam recursos ou que têm superávits acumulados. O projeto, diz ele, não elimina fundos e apesar de ter efeito indireto no tamanho do déficit e consequentemente na rolagem da dívida, seu objetivo é liberar recursos para financiar despesas com a pandemia. Isso, diz o deputado, traz apoio dos parlamentares ao PLP. Marcos Santos/USP Imagens

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via Valor Econômico

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